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Há catalães e catalães. E ainda outros mais, que não conheci. Mas um deles me chamou a atenção. Seu nome é Vicente, beira os 60 anos e à primeira vista é um rústico. À segunda também. E é melhor nem olhar muito. Mas se olhar vai acabar descobrindo que, na verdade, ele é apenas um pouco mais esquisito que a média local.
Conheci Vicente no dia 7 de setembro, às 20h30, em minha futura casa, no Born. Ele é o dono do imóvel e, embora não viva em Barcelona, estava aqui para assinar a papelada. Veio com o corretor, um catalão de outro tipo – o tipo de tem três camadas de verniz e usa talco.
Mas naquele dia não posso dizer que conheci Vicente de fato. Ele mal pronunciou algumas palavras, em catalão, quase rosnando e sempre se dirigindo ao corretor. Apertou minha mão, mas nem sinal de um “encantado” ou pelo menos um “mucho gusto”. Ele é assim. Econômico.
Conheci mesmo Vicente quando descobri que a lavadora não funcionava. Depois de duas semanas de emails e telefonemas para a imobiliária, um belo dia atendo o celular: “Anamaria, é Vicente. A que horas estará em casa amanhã?” Pe-pe-peraí. Vicente? Que Vicente? O dono do piso? Mas não era para resolver tudo com a imobiliária?
As coisas devem ser assim no pueblo onde ele vive. Tanto que, na manhã seguinte, muito antes de eu pensar em acordar, toca de novo o celular: “Está em casa? Passo aí em 15 minutos.” Tudo assim, sem bom dia.
Veio com a mulher, uma catalã de cabelos grisalhos curtíssimos, rosto bem feito de traços duros, também perto dos 60. Calça jeans e camiseta. Maquiagem zero. Elegante à primeira vista – mas não necessariamente à segunda.
Chegaram e eu estava enrolando bombons para o aniversário do Chiquinho. Atendi com as mãos açucaradas. Não me lembro se Vicente respondeu ao meu bom dia. Antes que eu terminasse de dizer “entrem” ele já estava a caminho do banheiro para checar o box do chuveiro, quase caindo, que o lampista tinha dado como morto.
Pediu ferramentas e sequer ouviu quando repeti o veredito do lampista, “hay que cambiarlo”. Tirou os parafusos, saiu, voltou com novos, mexeu aqui e ali e me pediu para testar.
Abri, fechei… Está firme, mas meio duro… “Pues fuerza tiene, no?” Olhei bem nos olhos rústicos de Vicente e mostrei a ele o meu muque, pues!
Enquanto isso, a mulher tentava salvar a mais que condenada máquina de lavar, um exemplar alemão cuja fábrica, seguramente, foi fechada logo depois da Segunda Guerra Mundial. Eu assisti de camarote a todas as tentativas dela, até emprestei a torradeira rosa-choque que ganhei da Angélica para que ela testasse a tomada – afinal, se a máquina estava em perfeito estado, como ela dizia, o problema só podia ser a tomada!
Sem sucesso, ela pediu ajuda ao marido. Vicente foi lá, abriu, fechou, testou – e de repente irrompeu na cozinha com cara de zombeteiro. “Já sei qual é o problema da lavadora.” Sim? “Idade!” E se abriu numa gargalhada. Só então conheci Vicente.
Ofereci doces aos dois, que antes de sair marcaram dia e hora para entregar a nova máquina. O guindaste estacionou debaixo do meu balcão exatamente um minuto antes da hora marcada.
Vicente veio junto. Tirou porta, montou, desmontou. Quando me dei conta estava ele abrindo meu guarda-roupa em busca de “un trapo viejo” para ajudar a deslizar la alemana até o guindaste. Não consegui nem ficar brava. Despediu-se já do lado de fora com um “qualquer problema, me chame”. Bateu a porta e sumiu.
As coisas devem ser assim lá no pueblo do Vicente…
Genial!
As coisas são assim na catalunha.:-)
Acho que é por isso que estou gostando… 😉
não estou rindo, estou chorando, mas de rir!!! e como ri, Ana. me divirto em ler suas histórias. sõa muito boas! melhor é imaginar sua cara. bem Doñana à italiana. mas o melhor foi você ter superado Vicente. isso pra mim foi o máximo e o resultado de seu novo estado catalão. rs… beijocas.
gostou da cena do muque? precisa ver a cara dele! acho que o conquistei para sempre… rs…
beijo.
kkkkkkkkkkkkkkkkkk… muito comédia. adoro! bj.
Mas que cronista inspirada estás se revelando, Doñana !
Por meio de sua “pena”, a propósito, até os rústicos soam amáveis 😉
Ah ! Aproveito para repetir o que deixei escrito lá no Skype: linda sua nova morada ; clara, limpa e mui convidativa.
Besos
Mas afinal não é isso o que faz a pena: recriar? 😉
Obrigada pela visita.
Beijo.
Voce está ganhando vida nesta Barcelona……..
Os Vicentes não podem ser muitos mas….muito bom ter um ou outro.
Amei o texto e sem dúvida é uma comédia.
bjs tia Rê
Comédia é a palavra!
Saudade. Beijo.
Linda história, musa. E o Vicente que não brinque com esse muque!
Ele nem é doido!
Bom te ver por aqui, Freddy.
Beijo.
Fantástico!
Jefe, no creo!
Solo mismo tu para hacerme reir…
Te echo de menos…
Dani
Dani, sumida! Nao sabe como fico feliz em te ver por aqui.
Mande noticias, porfa.
Besos.
Ana, adorada,
Pelamordedeus, faça um filme dessa sua vida catalã!
Novela já não basta. Há que imortalizá-las para todas as gerações. As cenas são impagáveis!!!!
Morrendo de saudades,
Rô
Rosane, sumida!
Tou te devendo: 1) a visita a Montserrat; 2) a degustação do jamón de 100 euros o quilo.
Me aguarde!
Besos.
hola Anamaria
No se como llegué a esta nota sobre le catalán, peo hoy vi esto en facebook y me acorde.
Seguramente lo hizo con el estilo que tan bien describes en tu nota. Mi abuelo, Baró Cossials, de esas tierrras, no era menos parco, salvo cuando nos contaba historias de osos y montañeses , cuando eramos chicos.
http://www.facebook.com/topic.php?uid=42629404980&topic=15243&post=103311#!/album.php?aid=430374&id=267003565353