Nada como uma visita de Doñana para dar novo sabor às coisas por aqui. Sabor de mar, no caso de hoje. Ela não me deu a chance de provar os quitutes, que acabaram bem antes do fim da aula. Mas trouxe a receita, acompanhada de sua indefectível filosofia de beira de fogão.
Minha amiga sabia que uma história com final feliz era tudo o que eu queria ouvir hoje, e já entrou festejando.
– Cadê as gambas que estavam aqui?
Na foto que ela me mostrou, só pude ver os restos mortais dos camarões.
– O Chef comeu! E lambeu os beiços!!! – A gargalhada de Doñana encheu a casa.
– Mas não pense que foi fácil, viu? Tive que aprender a controlar o fogo!
Doñana controlando o fogo? Essa eu quero ver.
Juro que pensei que fosse mais fácil fazer um suflê de mariscos. Bueno, não é exatamente difícil, mas é preciso ter uma certa temperança, se é que me entendem. Porque o suflê em si é moleza, mas até chegar a ele… oh, céus, quanto tempo é preciso esperar.
Primeiro Doñana teve que fazer um caldo de mariscos: cortar cenoura, cebola, aipo, cogumelos, limpar camarão e cabeça de peixe, refogar um a um, flambar, molhar, cozinhar, decantar, coar. Isso tudo leva pelo menos uma hora!
Depois, é preciso reduzir o caldo, num vai-vem infinito de panela entre a boca e a beira do fogão, secando o dito-cujo entre o fogo e o não-fogo até convertê-lo em um molho caramelado, na textura exata para a manteiga de mariscos.
Preparar a manteiga de mariscos e com ela a beurre manié – uma espécie de bechamel sem pré-cozimento, que é a base do suflê. Esfriar. Preparar a massa. Acrescentar as claras em neve com movimento assim-assado para não murchar. Untar as forminhas. Montar os suflês. Rechear com camarões. Levar ao forno.
Aí você pensa: Ufa! Agora é só esperar os potinhos saírem do forno y ya está!
Ih, minha amiga, que nada! Enquanto o suflê assa – e é muito rápido – você tem que reduzir mais um tanto de caldo de marisco até aquele ponto cor de caramelo, amanteigá-lo um pouco para poder fazer umas firulas no prato, e saltear quase sem tocar o fogo os camarões que vão dar o toque final nessa maravilha.
Tudo muito rápido e controlando a chama – o que é quase uma contradição em termos, no caso de Doñana. Quando o suflê sai do forno, o pratinho decorado com molho e camarões salteados tem que estar pron-ti-nho – e ainda quente – para seguir correndo até o comensal, porque o suflê, num minuto, puf, desaba como um bolo solado. Aí, meu bem, ninguém levanta mais o bichinho.
Pero bueno, deu tudo certo com minha amiga hoje. Quer dizer, quase tudo.
O Chef saboreou bem devagarzinho seus camarões salteados, fazendo huuuummmm, e chamou toda a turma para ver a belezura do seu molho: o brilho, a textura, a cor, tudo perfeito! Doñana quase teve um orgasmo quando ele levou a colher à boca. “Está un pelín acima, mas muito bom!”
A essa altura, depois da nhaca do molho de tomate da semana passada, minha amiga já estava quase abrindo um cava para comemorar. Mas seu reinado durou pouco. Cinco minutos depois, ao provar o molho da Alícia, foi o Chef quem quase teve um orgasmo. “Quer casar comigo, Alícia?”
Doñana só não quis morrer porque estava com a boca cheia de suflê – e, mesmo un pelín acima, ela jura que seu molho de mariscos ficou ma-ra-vi-lho-so!
Terminada a degustação, minha amiga foi até o Chef para entender o que tinha feito de errado. “Fogo demais.” Ela lembrou, então, do momento exato em que ele dizia: “Tire a panela do fogo e siga reduzindo o molho usando apenas o calor residual.” E ela, desconfiada, achou por bem dar mais um golpezinho de fogo no que já estava no ponto. Não confiou no “calor residual” – e se deu mal.
Doñana me contou tudo isso dando boas risadas, e lembrando que seu molho, no fim das contas, foi o segundo melhor da classe. De minha parte, considerando que a empreitada exigia de minha amiga controlar o incontrolável, me surpreende é que ela tenha chegado tão longe.
Minha querida,
Nem sempre respondo, mas leio todos. Adooooro muito!!
Bj grande : )
Sil, quanto tempo! Por onde você anda?
Apareça sempre.
Beijo.
Caraca, Ana, depois de toda essa maratona, acho que eu nem conseguiria comer nada, o coração estaria lá no estômago em alas pra saltar fora e a paciência…. un pelín acima!!
Eu daria mesmo é para provadora de todas essas delícias, isso sim, e à beira do fogão, eh…eh…eh…. E como uma manezinha “adotada” fã absoluta de camarões (mas que nunca consegue achar o ponto certo quanto se trata de refogá-los/dourá-los …+¨$*$#RT¨&#@$%), garanto a Donana: um segundo lugar, depois de preparo tãaaao doido, c’est fantastique !
Pois é, Marcita, a vida de Doñana não é mole não.
Beijo.