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Archive for the ‘Estrangeiro’ Category

Para renovar o estoque de carinho do filhote e da nora... (por Pedro Rossi)

... fomos tomar umas cañas no café dos argentinos... (por Feder, o camarero)

Tristeza é ver o filho amado partir para muy lejos... (por mim)

Na verdade, as despedidas começaram antes, no niver do Chiquinho... (por mim)

Con mi grande compañero, el guapísimo Pedro Rossi... (por Ines Copf)

Ines, Pedro e Ceci, na casa onde tudo começou... e terminou (por mim)

Com minha querida família barcelonesa, a Padovani-Amaral: Tomás, Angélica e João... só faltou o Chiquinho... (por Ines Copf)

Con las chicas más fuefas do mundo mundial, Patu e Michelly... (por Ines Copf)

A Grande Família posa para o porta-retrato... (por Ines Copf)

Aqui com Ines, a bósnia-grega mais encantadora do pedaço... (por Pedro Rossi)

No derradeiro passeio, os vitrais da igreja Santa Maria del Mar...

... onde agradeci muitíssimo à Virgem de Montserrat por tudo o que a Catalunha me deu nesses 14 meses... (por mim)

E o ponto final, a Plaza Cataluña, onde Barcelona é muito mais Barcelona... (por mim)

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Eu esperava o metrô. Espirrei, ela disse “saúde”. Agradeci.

Entrei no metrô e me sentei diante de duas mulheres. Ela sentou-se ao meu lado.

As duas da frente falavam sem parar, principalmente a que estava sentada à minha frente. Morena, cheinha dessas bem feitas de corpo, bem socadinha. Cabelos negros e longos. Olhos indígenas. A outra tinha uma contradição entre os olhos puxados e a pele branquíssima, e falava menos. Estavam as duas visivelmente cansadas, e calculavam em voz alta qual o caminho mais curto para chegar em casa depois de um domingo cheio de trabalho.

A proximidade e a curiosidade não me deixavam tirar os olhos da dupla. A morena percebeu e começou a falar buscando com os olhos minha cumplicidade. Sorri. Ela era engraçada, animada, vibrante. A outra examinava um folheto da igreja e as duas começaram a debater sem muito ânimo a temática. Não tive tempo de saber do que se tratava: o metrô parou e as duas saíram correndo e rindo pela porta.

– Uma praga, isso, minha filha! – era a senhora ao meu lado, bufando.

– A senhora está falando de quê? Da igreja?

– Não, estou falando da gente. Dessa gente. Eles não são da Espanha, você sabe?

Virei o rosto para a janela, não estava disposta a arranjar encrenca no metrô. Mas ela insistiu.

– Uma praga que vem para a Espanha tomar os empregos dos espanhóis. Cobram barato, a hora mais barata de trabalho que existe! E aí, quem quer dar emprego para os da terra?

Senti as têmporas fervendo. Meu estômago começou a se revirar. Conferi no mostrador quantas estações ainda me restavam. Duas. Fechei os olhos e pedi aos santos para calarem a boca daquela mulher. Mas eles não me atenderam.

– Não sei por quanto tempo ainda vamos ter que suportar essa praga!

Respirei fundo. Examinei a mulher detidamente. Cabelos brancos, pele morena, uns 60 anos, nem rica nem pobre. Queria ter tido pena da ignorância dela, mas não – tive ódio!

– É assim no mundo inteiro, minha senhora. As pessoas vão de um país para o outro em busca de vida melhor. O mundo não tem mais fronteiras, ou não deveria ter, porque elas não fazem mais sentido.

Ela me olhou com cara de ponto de interrogação.

– A senhora veja só uma coisa: o meu país, mesmo, está cheio de espanhóis!

Ela franziu a testa e arregalou os olhos, sem tirá-los de mim.

– Espanhóis, italianos, africanos, portugueses… E eu posso garantir para a senhora: já viajei muito nesse mundo, e em todo lugar é assim. A senhora não sabe?

O rosto dela se avermelhou. Quis saber de onde eu era. Respondi com a boca mais cheia do mundo.

Ela ficou calada. Ainda bem. Porque minha estação estava chegando e eu não teria tempo de vomitar todos os impropérios que já estavam na ponta da língua caso ela soltasse mais alguma pérola xenófoba.

Sei não, mas acho que não contam nas escolas daqui o que os espanhóis fizeram – e tudo o que eles roubaram! – em suas colônias no Novo Mundo.

Mas nós sabemos. As índias que estavam à minha frente sabem. E nunca vão esquecer- nem elas, nem todas as gerações que virão. Talvez por isso a gente se sinta um pouco dono do Velho Mundo. Real ou não, a sua riqueza também é nossa. Nos pertence, porque nos foi roubada. Ainda que a nossa grande riqueza mesmo ninguém possa roubar: o Novo Mundo somos nós.

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Fotos Anamaria Rossi

– Vocês sabem o que é um foie?

Silêncio. O chef nos mira com olhos provocadores. Paloma arrisca:

– É um fígado de pato. Inchado. Doente.

Fazemos coro com ela.

– Um fígado sim, mas inchado e doente não – atalha o chef. Se fosse doente, não poderíamos comê-lo jamais.

Silêncio. Todos esperam para ver que volta ele vai dar no conceito a ponto de nos convencer do contrário.

Ele continua:

– Um foie é um fígado de pato (ou ganso) que, em condições normais, submetido a uma superalimentação e em confinamento, armazena energia em forma de gordura, e chega a dobrar de tamanho.

Eu cochicho para Paloma: “Pois então, um fígado doente!”

Estamos na última aula de cozinha e, como só tínhamos uma receita pendente, o chef elegeu uma iguaria para nos presentear, um Micuit de Foie. Como diz o nome, um fígado meio cozido – e, naturalmente, meio cru. Ou seja: uma bomba!

O foie é um dos ingredientes preferidos dos cozinheiros e comensais por aqui. A ponto de Barcelona ser a casa de um dos principais produtores de fígado de pato cevado de todo o Mundo Mundial – pelo menos é o que diz o chef.

Não perguntei o nome do fornecedor. Não penso em reproduzir a receita. Pode ser que eu prove um pedacinho no dia da entrega dos diplomas, daqui a duas semanas. Sim, porque a iguaria, tal qual um patê de fígado, deve repousar duas semanas na geladeira antes de ser oferecida em banquete.

Provarei, afinal. Será nosso presente de formatura e, querendo ou não, sou uma moça educada. E se eu gostar prometo que volto aqui e coloco a receita nos mínimos detalhes. Mas daí a preparar em minha linda cozinha um Fígado de Pato Cevado, Inchado e Doente, meio cozido e meio cru, pagando o ingrediente principal com barras de ouro – ah, vai uma distância quase cósmica.

Franceses, espanhóis e gulosos de todos os tempos que me perdoem, mas Micuit de Foie – jamé!

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Barcelona és in-cre-í-ble!

Estou eu voltando da aula de Pasteleria com as mãos cheias de pacotinhos de quitutes quando sou surpreendida por uma cena no mínimo instigante no Passeig del Born.

Primeiro imaginem o cenário: dezenas de turistas voltando da praia e catalães woodstockianos, de chinelas havaianas e bermudas meio rotas, bundando pelo passeio num fim de tarde ameno, seguidos de perto por paquis vendendo cerveza beer my friend. Tudo o que já não surpreende meu olhar depois de um ano inteiro de vizinhança.

Aí, sem mais nem menos, irrompe detrás de um pós-hippie uma verdadeira gueixa. Legítima, perfeita, completa em todos os detalhes: quimono negro de asas largas, atado por uma faixa-cinturão branca de mil voltas, com aquela bolsinha que se forma nas costas; meias brancas aparecendo no chinelinho de madeira; rosto branquíssimo de pancake realçando os cabelos negros e lustrosos presos num coque com aquele palito enorme atravessado.

Não, não era uma performance. A japonesa – era japonesa, claro! – estava passeando como qualquer turista, olhando vitrines, curtindo a tarde, e até parou para tomar um sorvete. Assim, como se usasse a mesma calça jeans de toda a vida, e nada, absolutamente nada em seu figurino justificasse o estranhamento dos passantes.

Aliás, devo dizer: o único passante surpreso com a cena fui eu, euzinha, a capiau do interior de São Paulo. O resto da fauna do Passeig del Born sequer demorou o olhar na gueixa.

O que me deixou profundamente intrigada… Será que preciso ficar mais um ano em Barcelona para não me surpreender com essas cenas?

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PS: Desculpem, mas não deu pra fotografar, as mãos estavam ocupadas demais carregando brioches, cookies, merengues…

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Uma das maiores delícias de bater perna pelas grandes ou pequenas cidades do Velho Mundo é a música. Ela está por toda parte, inundando o ar e nossos corações de uma luminosa alegria.

Pode ser num castelo à beira do rio Escalda, na Antuérpia…

Fotos Anamaria Rossi

… ou numa praça em Amsterdam em pleno breakfast, depois de uma noite movida.

Numa ruazinha meio escura de Bruges…

… ou num iluminado canal da cidade de bonecas.

Não importa onde você esteja. Quando você menos espera, num túnel de metrô, sob um arco de ponte, numa esquina, num vão, ela te encontra. A Música. Incrustada nas pedras e nas almas, como a do solitário artista da Praça do Louvre.

Próxima parada: Ilha de Formentera

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Versão ilustrada da Carta de Barcelona publicada no Blog do Noblat e arquivada aqui.

Foto Anamaria Rossi

Esta é a mais difícil das 38 Cartas de Barcelona que escrevi, desde outubro do ano passado. Porque é a minha carta de despedida. Começo a arrumar as malas para voltar para casa.

Nessas horas a gente costuma fazer um balanço, fechar as contas, passar a régua – mas hoje vou dar outro rumo à prosa. Falarei da infinidade de Cartas de Barcelona que estão por ser escritas, um dia, por outro alguém.

Foto Pedro Rossi

As cartas que estão por ser lidas – no traçado das ruas, nas esquinas, nos becos, nos cheiros que emanam das gentes, nos fantasmas que perambulam pelos portais da cidade.

Histórias de gente que aqui nasceu e ficou, que está de passagem, que chegou e gostou, gente que está mas não está, gente que inscreveu sua memória nas pedras, no chão, na poeira, gente que é Barcelona.

Foto Anamaria Rossi

Para escrever a última carta, visitei ontem um parque que simboliza de forma extremamente lúdica o que, para mim, é a essência de Barcelona: o Parque do Labirinto.

É um parque público de 9 hectares, no bairro de Horta-Guinardó, onde se chega de metrô e que pode ser visitado por módicos 2 euros. Pertenceu até pouco tempo aos herdeiros do marquês de Llupià, de Poal y de Alfarràs, que em 1970 o doaram à Prefeitura.

Foto Pedro Rossi

É composto de vários jardins, sendo o principal deles o Jardim do Labirinto, um exemplar neoclássico do século 18 projetado por um arquiteto italiano e um jardineiro francês.

São 750 metros quadrados de ciprestes recortados, definidos no site da Prefeitura como “o lugar ideal para perder-se”. Eu diria que pode ser o lugar ideal para encontrar-se, considerando que perder-se é apenas o começo do caminho.

Foto Anamaria Rossi

O Labirinto de Barcelona, que foi cenário para as filmagens de “O Perfume”, sedia também o encontro de dois dos mais conhecidos mitos gregos.

A história de Dédalo é a própria história do labirinto, construído por ele para encerrar o Minotauro e que acaba sendo sua própria prisão quando ele trai o rei Minos e ajuda Teseu a derrotar a fera.

Uma história tão intrincada de caminhos e descaminhos como o próprio labirinto, do qual Dédalo só se liberta quando constrói para si um par de asas.

Foto Anamaria Rossi

Quem chega ao coração do Labirinto de Barcelona encontra ali outro grande mito grego, forjador de identidades milênios a fio. Está lá, lindo e impávido, provocador e libertário, talhado em mármore branco, Eros, o Deus do Amor.

O encontro da imaginação criadora de Dédalo, em suas infinitas possibilidades, com a própria essência da criação representada por Eros é a perfeita metáfora para a cidade pulsante, viva e transformadora na qual eu vivi este último ano.

Foto Anamaria Rossi

Um labirinto de mistérios do qual uma criatura não pode – e não quer – se desenredar. Um mosaico onde perder-se é a maior de todas as descobertas, para encontrar-se mais adiante em outros rostos, outras vozes, e mais uma vez ver a própria imagem dissolvida e reamalgamada num caleidoscópio sem fim.

Esta é a essência de Barcelona, da minha Barcelona, da Barcelona que tentei compartilhar com vocês, em palavras e imagens, nas últimas 38 semanas. A essência de uma cidade cuja melhor História é a que está por ser escrita, todos os dias, por quem nela pulsa.

Foto Pedro Rossi

Sou muito grata aos que vieram comigo nesta viagem – aos críticos, aos generosos, aos calados, aos curiosos. Viajar sozinha não tem a menor graça, ainda que seja por um labirinto encantado.

Muito obrigada, e até um dia, numa esquina da vida.

Foto Pedro Rossi

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Foto Anamaria Rossi

Aceitei hoje o convite de uma amiga catalã para ir à roda de choro à qual ela se incorporou recentemente com sua flauta. Fomos lá, eu e Patu, prestigiar Marina na última roda da temporada – afinal, em agosto nada funciona por aqui além da praia.

Se tivessem me convidado dois ou três meses atrás para qualquer atividade relacionada à colônia brasileira, muito provavelmente eu declinaria. Mesmo sendo uma roda de choro. Fujo como o diabo da cruz do clima “vamos viver no Brasil mesmo estando no exterior”.

É claro que faço meus pães de queijo, tenho amigos brasileiros e convivo com eles, ouço samba e chorinho no iPod e bato palmas no ritmo quando cruzo com uma roda de capoeira. Mas esse negócio de viver fechado numa comunidade, ainda que seja – em tese – a minha me parece tão antinatural quanto chegar aqui e querer se transformar num catalão.

Um ser em movimento é um ser em movimento. E um estrangeiro é essencialmente um ser em movimento – nem antes nem depois, nem aqui nem lá, mas na encruzilhada dos mundos, nos encontros e desencontros da estrada. Para mim, esta é a graça da brincadeira.

Por isso eu não esperava muito da roda de choro de hoje – pelo menos, não mais que boa música, e uma música que eu adoro. Mas a noite foi mais que um encontro, foi um reencontro – e um achado.

Primeiro porque a música era muito boa mesmo. Segundo porque estava lá Emiliano Castro, violonista dos melhores que conheci num show de Ligiana em Brasília um ano atrás, dando uma canja daquelas. E, terceiro, porque eu estava mesmo precisando desse clima descontraído que só o Brasil tem. A saudade já está batendo no teto…

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Foi assim, entre um tinto de verano e uma sangria muy exquisita, que domei a adrenalina no jogo Uruguai 2 x 3 Holanda, ontem à noite, num boteco debaixo do meu balcão, imprensada entre turistas de todas as nacionalidades conhecidas e desconhecidas.

Foi a melhor sangria que provei em toda a minha vida! Ainda bem que fiquei de olho no barman, que já tinha me avisado: “Te puedo hacer la mejor sangria que ya habrás probado!”

Aí vai a receita – intuídas, naturalmente, as medidas.

Foto Anamaria Rossi

SANGRIA GLOBALIZADA

  • Pegue uma taça alta, larga e linda e disponha no fundo uns pedacinhos de laranja e limão, com casca.
  • Segure firme na mão direita uma garrafa de licor de maçã verde, na esquerda uma de Stolichnaya, ambas com dosador, e verta-as ao mesmo tempo sobre as frutas, por dois segundos no máximo.
  • Repita a operação substituindo as garrafas anteriores por uma de suco de laranja e outra de suco de abacaxi.
  • A esta altura, sua taça estará 1/3 cheia. Complete com gelo até a metade, misture tudo muito bem e prepare-se para o mais difícil.
  • Agora é que são elas: verter o vinho tinto, de qualidade, sobre a mistura sem deixar que ele se funda ao conteúdo. Truque: segure uma colher de sobremesa, cabo longo, inclinada sobre a mescla e encostada à parede da taça. Lentamente, vá despejando o vinho sobre o cabo da colher. Ele escorrerá devagar para a borda da taça, espalhando-se sobre o líquido verde-amarelado que está embaixo – naturalmente isso depende de destreza e treino!
  • Deixe um espaço de um centímetro entre o vinho e a borda da taça, que você decorará uma rodela de limão, laranja ou abacaxi. Espete cuidadosamente dois canudinhos y ya está.

Se tudo der certo, você terá uma linda, refrescante e deliciosa sangria para torcer pela Espanha hoje à noite. Se der errado, tente de novo na final de domingo. Vale a pena, eu garanto!

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Fotos Anamaria Rossi

Sui gêneris o duelo de ruídos que vi e ouvi pela janela esta manhã. Por um detalhe que revela o quão distantes estão esses dois mundos que coabitam espaço e tempo nas ruas de Barcelona.

As lojas ainda estavam fechadas quando os homens de camiseta azul marinho iniciaram seu concerto à base de serras, metais, martelos e faíscas. Eu tinha acabado de abrir a casa – e confesso que àquela altura da manhã nenhuma imagem da rua havia me chamado a atenção, nem mesmo o arsenal dos serralheiros prontos para atacar a porta de ferro do restaurante em frente.

Meio sonolenta, fui surpreendida pela orquestra de metais enquanto passava o café. Tentei fechar as portas do balcão, mas o calor impregnante do verão me disse um “não” taxativo. Resisti. Esquentei na torradeira duas fatias de pão e creditei tudo o mais aos mistérios de um dia que apenas começa.

Mais uns minutos e os operários desligam as máquinas, pausa para o café. Um breve recorte de tempo em que tudo volta à normalidade – o quase deserto auditivo das manhãs que ainda não engrenaram de todo.

Reconheço a algazarra matinal dos passarinhos da vizinhança. Um ou outro carrinho de compras riscando o chão de pedras com as rodas enferrujadas. Uma criança de férias gritando em algum piso próximo. O paquistanês do “bu-táaaaa-no” anunciando seu produto. A mulher da lavanderia conversando com o rádio em seu castelhano estridente.

E um novo som me chama de volta ao balcão. Um homem pronuncia ininterruptamente, em idioma indecifrável para mim, algo entre o discurso pronto e a ladainha. Fala com firmeza para as duas dezenas de veranistas que o cercam, alguns armados com suas indefectíveis câmaras compactas.

Ouve-se tudo, mas ninguém além dos turistas do grupo entende palavra. Um idioma sem parentesco conhecido. Grego? Dinamarquês? Islandês? Nenhuma pista.

Eis que retornam à lida os homens de azul, o que se nota imediatamente pelo bater do martelo na placa de aço, a 30 metros dos veranistas. Todos se voltam à oficina instalada no meio da rua. O guia do grupo interrompe sua ladainha, vira-se para os serralheiros e lhes dá uma bronca – ou assim me parece – em alto e bom som. E em seu idioma irreconhecível!

O homem de azul, que suponho tão ignorante quanto eu do teor das palavras, adivinha seu conteúdo, interrompe as marteladas, arrisca um pedido de desculpas, olha para seu companheiro e os dois trocam um risinho irônico que leio como um “Só me faltava essa!”.

Detalhe que escapou ao guia da esquina, já de volta ao texto ensaiado, no qual finalmente reconheço quatro palavras, “Santa Maria del Mar”, o nome da catedral gótica erguida pelos artesãos barceloneses alguns séculos antes na esquina oposta.

Por um ou dois minutos, o único som que se escuta é a ladainha grega-dinamarquesa-islandesa. A funcionária da loja tenta, com dificuldade, abrir caminho entre os turistas para limpar as vitrines do lado de fora, já é hora de abrir as portas. Duas turistas observam com má vontade o vai-vem da limpona no peitoril onde estavam apoiadas. A moça termina o trabalho e, novamente, atravessa o círculo estrangeiro para entrar na loja.

À minha esquerda, ouço duas marteladas fortes na porta metálica. Me viro e vejo o homem de azul olhando para o companheiro como quem toca uma trombeta. Às armas! O outro responde com um olhar cúmplice e aperta o botão. Faíscas e ruído de serra enchem o ar, ignorando a ladainha turística.

Sem garganta para enfrentar o oponente, o guia da esquina recolhe as armas e dá meia volta com a tropa estrangeira. Seguem em direção à Santa Maria del Mar.

Eu me entrego ao ruído metálico, saúdo em pensamento os guerreiros de azul e volto à cozinha para esquentar meu café, imaginando mil e uma traduções para a bronca do grego da esquina.

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Uma webcam de lá, outra de cá.

Uma filha saudosa de cá, uma família italiana de lá.

Um domingão de cenário – e o bendito skype no meio.

Precisa mais?

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