Foto Anamaria Rossi
Se o amor tivesse razão, eu diria que uma das razões pelas quais amo Brasília é sua infinita capacidade de me surpreender. Brasília não é moderna, ela vem antes. Antes que a gente possa entender, e ainda que a gente não entenda, as coisas acontecem. E a gente que corra atrás.
Em Brasília – uns se lamentam e outros se vangloriam disto – ninguém escapa a uma perturbadora intimidade com o poder. Seja trabalhando numa instituição pública, prestando serviços a uma autoridade, cruzando com um deputado em caminhada no Parque da Cidade, desviando de carros oficiais no trânsito ou simplesmente tendo a Esplanada dos Ministérios como um grande jardim coletivo. Para o bem e para o mal, em maior ou menor medida, o poder e seus símbolos acabam fazendo parte da vida de um brasiliense.
Talvez por isso, em Brasília, uma simples conversa de butiquim sobre política nunca é uma simples conversa de butiquim. É, quase sempre, um debate acalorado, repleto de informações de bastidores, detalhes picantes e especulações carregadas de sentimentos humanamente apaixonados.
Lembro de meus tios perguntando, quando eu ia de férias a Ribeirão: “E aí, como vai o Presidente?” No início eu ficava meio irritada com a pergunta, não queria ser confundida com o Presidente ou quem quer que representasse, para os de fora, o poder instalado em Brasília. Hoje entendo: não há como ser diferente.
Mesmo assim, continuo advogando em defesa da Brasília dos sem-poder, aquela do nosso dia-a-dia, na qual trabalhamos, amamos, educamos, passeamos, nascemos e morremos como qualquer outro cidadão do País, sem uma gotinha de poder para além de nossos títulos eleitorais.
Mas mesmo nós, os sem-poder, aprendemos um pouco sobre o poder. A convivência nos revela seus truques, a intimidade nos ensina a antecipar tendências, a sentir no ar o fedor do que está podre e o frescor do que vai nascer logo adiante. Mesmo que raras vezes a gente identifique e dê voz a essa percepção.
Eu confesso que estava com medo desta eleição em Brasília. Medo de voltar e encontrar uma cidade ainda arrasada pela desmoralização que o arrudagate, o erenicegate e todos os escândalos de fato e de laboratório impõem a todos nós, os sem-poder de Brasília.
Mas meu medo transformou-se em agradável surpresa ontem, enquanto acompanhava a apuração dos votos pela internet aqui de Barcelona. Mais pelo cenário nacional que pelo local, confesso – embora a vantagem de Agnelo sobre o clã Roriz e a eleição de dois senadores de esquerda pelo DF tenham me llenado de esperança.
O que me surpreendeu de verdade foi ver Marina Silva vencendo as eleições no Distrito Federal, único pontinho verde num mapa vermelho-e-azul.
Alguns dirão que foi um voto de protesto puro e simples, mas para mim foi mais do que isso. Um protesto, sim, claro e contundente, mas longe de ser uma manifestação vazia e sem sentido. Os 41% de votos que Brasília deu a Marina me soam como um gesto de rebeldia tão autêntico e visionário quanto pode ser o despertar de um adolescente.
Ou, no caso dos que envelhecem mas não deixam morrer o adolescente que levam dentro, o voto de quem conviveu oito anos, em incômoda intimidade, com um governo demotucano, e mais oito com um governo petista, e – tal qual a amante depois de longo tempo – conhece de cor as artimanhas do parceiro.
Adolescente ou velha amante, Brasília mais uma vez chegou antes. Menos pelo sim ao desconhecido, simbolizado por Marina, que pelo não aos nomes, modelos e práticas dos quais já se sente um tanto intoxicada, e compreensivelmente farta.
Brasília apostou no novo, ainda que não saiba muito bem qual é a novidade. Esta é a vocação e pode ser a salvação da cidade.
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Antes que eu me esqueça: Marina Silva não é minha candidata, embora eu a admire como pessoa, como mulher e como política. Sou eleitora e defensora da candidatura Dilma Rousseff, porque acredito que nunca antes na história deste País estivemos tão no rumo certo como agora. Mas isso não me impede de sentir o sopro de outros ventos.